Nós vamos ficar bem
- Kami Girão
- 31 de out. de 2024
- 3 min de leitura

Este texto foi originalmente publicado em 2022, muito antes de eu terminar Entre quadros e balões. O tema, porém, é excelente.
Entrei em bloqueio criativo. Justo quando, em tese, não deveria, no momento da edição do projeto a que chamo de EQB, peguei pânico de ver uma página do Google Docs. Para quem não sabe, submeti EQB a um edital e aguardo retorno, e este fato, somado a uma ansiedade patológica e uma severa cobrança autoimposta, fritaram meus poucos neurônios ainda na atividade. Muitos medos me atravessavam — e ainda estão por aqui: e se este projeto não for vendável? E se encalhar livro aqui em casa? E se as pessoas não gostarem? E se estiver ruim? E se…?
Nesse meio tempo, aprendi a fazer crochê com meu amigo Luan, que me ensinou de muito boa vontade e me ajudou bastante. Porém, não resolveu. Ter uma nova atividade aliviava a pressão de lidar com a página a ser editada, mas postergava o momento do confronto. Por vezes, troquei as palavras pelas linhas, pelos entrançados que pareciam funcionar muito melhor do que conjunto de parágrafos que não faziam, aos meus olhos, sentido algum. Mas se eu pretendia — e pretendo — passar em um edital, precisava encarar o meu pavor ainda que sob pressão. Foi assim que voltei ao mundo da Becca Syme.
Para quem não conhece, Becca Syme é uma coach (sim, coach) de escritores — e, ao contrário do que vemos por aí, é uma profissional altamente responsável e que considera as dificuldades do mercado e da profissão antes de sair orientando seus mentorados. Descobri Syme através do trabalho da Zoe York e logo dei uma chance aos primeiros livros da sua série Dear Writer, You Need to Quit. São trabalhos bem curtos, com premissas que afligem qualquer pessoa escritora, mas com resoluções absurdamente simples, daquelas que paramos pra refletir “por que não pensei nisso antes?” E Becca não é uma autora meritocrática. Considera as múltiplas realidades, o que a tornou uma profissional muito querida para mim.
Foi, portanto, a ela a quem recorri quando me percebi em bloqueio e tão amedrontada como eu estava. O livro que peguei foi o Dear Writer, Are You In Writer’s Block?, bastante condizente com a minha realidade. E foi como receber um abraço, que acolhia o meu pavor e dizia: “isso realmente está acontecendo com você, mas não se preocupa que tem jeito.” Dentre muitos conselhos úteis, como metáforas com campos de centeio que precisam de temporadas sem plantio para renovação do solo, existiu um em específico que me tocou profundamente, outro desses extremamente simples, mas que não pensamos com frequência.
Eu vou ficar bem.
Recebeu resenha negativa? Eu vou ficar bem. Não vendeu como gostaria (sendo, é claro, uma pessoa escritora que não depende da escrita para sobreviver)? Eu vou ficar bem. O feedback não saiu tão positivo quanto se esperava? Eu vou ficar bem.
Como eu disse, é uma premissa simples, porém não é um reforço que vem à cabeça quando as coisas degringolam para o lado negativo. Vamos continuar em pé mesmo se nada der certo, se nossas expectativas não forem atendidas. Porque, como a própria Syme fala:
That “parental” soothing voice is really important to engage in these moments because in order to flatten out that spiral, we need to deconstruct the premise of the fear. We can’t agree with it.
O mercado literário, como qualquer outro, é brutal, mas a que custo adianta nos tratarmos com severidade similar? A armadilha do bloqueio criativo existe e pode ser uma poda não desejada às nossas ideias — porque às vezes, como a própria Becca Syme salienta, a mente pede um descanso e o bloqueio vem como essa resposta do corpo às tarefas. Questionar o medo, as premissas comuns e rebatermos o que nos machuca com essa voz mais maleável pode ser não uma chave, porém é um caminho para enfrentarmos o que nos dói. E acima de tudo, termos a certeza: vamos ficar bem.
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