Entre quadros
e balões

— Eu também posso morrer amanhã, assim como você. Posso sofrer um acidente na moto, você pode ser picado por uma vespa venenosa e ir dessa pra uma melhor em segundos. Pode, sei lá, surgir uma doença que prenda todo mundo em casa porque a transmissão é pelo ar — mais um suspiro. — Eu não sei. Botando em palavras bonitas, é como se o amanhã fosse uma tela em branco imensa e, de repente, a gente não estivesse mais lá para colocar cor e dar algum sentido. Como se todas as lojas de tintas estivessem fechadas.

— O amanhã não existe — outra bala encontrou os lábios de Ian. — Em um dia, a Lizandra estava fazendo planos enquanto regava plantas, pensando em um jantar de casamento, em nomes de filhos. No dia seguinte, ela foi para o estágio e não tocou a campainha no final da tarde, mesmo que sempre carregasse a chave na bolsa. No aniversário dela do ano passado, eu deveria ter comprado bolo red velvet e ter escutado o telefone tocar algumas vezes, mas não foi isso o que aconteceu. E o que ela havia imaginado para o casamento e o rosto desses filhos nunca saíram da cabeça dela, e eu também nunca soube como eram. 

Onze horas da noite.

— Se eu pensar na imortalidade dos gregos — Nara começou, — prefiro não ter. Não preciso fazer nada memorável. Só não quero nenhuma dívida quando eu partir daqui.

— Então, é hora de escrever.